terça-feira, 23 de agosto de 2016

BADBADNOTGOOD - IV


Numa fase da minha vida dei por mim a querer entrar num banho de imersão paralisante que me fizesse submeter de uma forma saudável às necessidades do Ego. Os cães ladram, a caravana passa e nós vamos com ela sem destino traçado ou objetivo findado, fechando os olhos às nossas próprias necessidades e à força de vontade que impulsiona os nossos específicos dons. Nesta corrida da rotina é fácil cair na cegueira de não percepcionar o caminho fácil e é igualmente tentador optar, por insegurança, pelas tentativas de avistar onde se encontram os adversários e comparar a nossa fibra com a dos outros. O caminho fácil é o corta-mato e caracteriza-se pela praticidade de dar primazia aos desejos do nosso íntimo, enquanto perdemos a vergonha de sentir amor-próprio. Como dito, nesta altura da minha vida experienciei um abismo carregado de dor existencial e arduamente encontrava terapia musical que apaziguasse essa lacuna… Até à imersão auditiva nos BADBADNOTGOOD, que tiveram um papel de guia espiritual no tal estado mental cíclico carregado de despersonalização e ausência de sentimentos. O quarteto canadiano é oriundo de Ontario e funde o jazz moderno com o hip hop entrelaçando o baixo, o saxofone, o teclado e uma bateria que convivem como amigos inseparáveis numa saída à noite. O seu quinto e mais recente álbum de estúdio, IV, é um dos melhores trabalhos concebidos neste ano. O trabalho é composto por 11 faixas, na sua maioria instrumentais (com excepção de “Time Moves Slow”, “Hyssop of Love” e “In Your Eyes”). Talvez esta fórmula de permanência pelos instrumentais seja mais que digna: o grupo é perito na missão de criar um som tão rico em suavidade e groove sustentado por um baixo áspero, dando permissão à nossa voz interior para tratar do resto.

IV é permissão de entrada num reino soporífero onde o baixo é o Monarca de uma corte onde os restantes instrumentos produzem a sua magia ludibriante em torno dos clássicos ritmos da escola jazz. “And That, Too” abre o disco numa apresentação misteriosa que dá primazia ao sintetizador que ecoa psicadelismo, uma flauta que cria um ambiente sinistro e por fim um honroso solo do saxofonista  Leland Whitty. Partimos para “Speaking Gently”, a verdadeira aposta numa área fora da zona de conforto. É uma malha funky que combina os sons do synthwave, a música eletrónica retro dos 80’s com um toque espacial e psicadélico. “Speaking Gently” não causa vontade de exteriorizar movimentos de dança porém consegue criar um estado de dança interior semelhante ao consumo de THC. Consigo aperceber-me de uma certa sinestesia devido ao facto de associar, a esta faixa, uma estética de cores fluorescentes ou néon. Esta experiência sensorial progride consoante o acelerar da frenética bateria. Fiquei emocionalmente grudada nesta faixa, a qual repeti vezes sem conta e coloquei num pedestal... Fechem o disco, já descobri a pólvora. Time Moves Slow” é o single do disco e um dos prazeres que já pode ser escutado na Antena 3. O tema r&b é intimista e sedutor, cantado pela voz soul e frágil de Samuel T. Herring (Future Islands). Fala-nos do insuportável passar do tempo durante o final de um relacionamento íntimo (não necessariamente amoroso). “Running away is easy/ It’s the leaving that’s hard” é a frase eternizada a retirar deste disco. Confessions Pt II” é uma epopeia narrada pelo engenho do saxofone de Colin Stetson, convidado especial dos BBNG. “Lavender” tem aparticipação do DJ e produtor KAYTRANADA é a faixa mais pesada tal é a força do baixo subjugado à luta de um sintetizador. “IV”, que dá nome ao disco, é o porto seguro do talento deste quarteto e a razão pela qual estes se juntaram: improvisação jazz no seu estado mais puro. O erotismo e a classe ressurgem na voz de Charlotte Day Wilson’s em “In Your Eyes”, balada que nos transporta para um bar sofisticado com um copo de whisky na mão. Estas faixas mencionadas foram as que mais se destacaram num acervo de temas brandos, doces e comprovadores de que não há excepções para o poder intrusivo do jazz. Os BBNG transitaram de um ábum mais agressivo, noturno e fechado na esfera hip hop/jazz (III) para outras sonoridades e uma linha melódica menos confusa. A experimentação melódica e a adoção de vários estilos que no fim de uma faixa se completam permitem-nos criar uma linha narrativa e estimular outros estilos musicais que nem julgávamos possível apreciar apaixonadamente, um disco que se vive dissecando cada faixa após uma escuta integral. IV tem poderes curativos e, de forma lenta, amenizou um fosso emocional que era apenas fruto da minha ansiedade. É uma Ode aos momentos fugazes e ao prazer das relações humanas, às conquistas pessoais e ao amor próprio.

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