quarta-feira, 8 de julho de 2015

Entrevista exclusiva a Kheper: "Não penso em mim como um artista"


Kheper, denomina-se como mais que um músico. Com uma vertente bastante experimental e vanguardista a roçar a música ambiente/noise e drone eletrónico, Kheper adota uma perspetiva interessante e fora do comum acerca da música. Estivemos á conversa o homem por detrás do som e do som por detrás da arte.

MontijoSound- Sendo de Oeiras, conseguiste captar algumas diferenças entre público de Oeiras e o público do Montijo?

Kheper- Eu não tenho público, uma vez que é a primeira vez que toco ao vivo…

MS- Esta foi a tua estreia?

Kheper- Exato, foi a minha primeira experiência ao vivo.

MS- Estás há quanto tempo a fazer música?

Kheper- Há cerca de um ano, um ano e meio.

MS- Em termos de projetos, o que é que tens realizado enquanto artista? O que é que tens feito agora para te chegares ao espelho e dizeres “eu sou o Kepher, eu sou o artista”?

Kheper- Eu não penso em mim como um artista. O motor para a minha criação é uma necessidade vital de me exteriorizar, não tem que ter significado embora tenha as suas raízes. Se é que sou produtivo é, em todos os casos, por instinto. É assim que eu trabalho. Lucrar disto, ou agradar alguém, não me passou pela cabeça. Não quero ter nenhum compromisso com ninguém senão comigo, por enquanto é bastante pessoal. Dei-me um nome e criei uma página no facebook apenas porque tenho um amigo que está a par da minha atividade e me convidou para apresentar algum trabalho hoje na Bistroteca.

MS- Não tens coisas gravadas então?

Kheper- Tenho bastante material, até. Irei revelar algum, em breve, na minha página. Talvez faça algum lançamento através de uma plataforma como o bandcamp.

MS- Já tens datas para esses lançamentos?

Kheper- Não. Exigente como eu sou, e tendo uma tendência para a complexidade sempre presente, deixo-me levar pela produção e esqueço-me de dar um fim às minhas faixas. Eu tenho projetos e projetos. Não ver um fim em nenhum deles, vai adiando a possibilidade de qualquer lançamento. Para além disto, com o passar do tempo, os meus projetos têm sofrido alterações resultantes de diferentes fases da minha minha vida e portanto diferentes estados de espírito. É um processo metamórfico onde muitos projetos acabam, eventualmente, por se tornar irreconhecíveis daquilo que eram originalmente. No entanto, quer seja destrutivo ou não, a ideia da decomposição estar presente naquilo que eu faço, assim como a influência do tempo nesta, agrada-me como método e incentivo de trabalho. Resulta, a meu ver, em algo orgânico.

MS- Mas, por exemplo, tu colecionas samples?

Kheper- Sim, coleciono bastantes, no entanto, meramente recursos do ambiente que me rodeia ou então sons que esculpo de raiz digitalmente. Ando sempre com um gravador, e capto sons que me atraem. Chego a casa e passo à manipulação destas gravações de campo criando alguma ordem através da contextualização de uns resultados com outros...
A fonte para o meu banco de samples são apenas sons com que me deparo, frequências que me estimulam. No entanto, estando presente também em mim um instinto em criar, em ter algo da minha autoria, recorro, para além da natureza, ao digital. O que quer que eu alcance jamais será de mão beijada, eu tenho que suar.

MS- Como é que defines o teu som? Falaste num processo arrastado...

Kheper- A atmosfera do meu som é, antes de qualquer qualquer outro fator, fruto do estado de espírito em que me encontrei quando lhe dei origem. Somente por intermédio deste surgem as exaustivas e minuciosas experiências que faço na matéria que o compõe. O que não quer dizer que eu não saiba o que é que eu estou a fazer ou para onde é que eu estou a caminhar. O controlo que tenho sobre as ferramentas que utilizo já é automático.
Se o corpo de uma faixa minha é, no todo, denso e arrastado é porque o assemelho ao meu físico, ao meu movimento. Se o seu desenvolvimento é pacifico ou agressivo, destaca-se, antes de mais, a sua persistência à semelhança do que eu analiso do comportamento da minha psique.
Assim como eu, aquilo que eu produzo é igualmente um sistema. Eu estar dissonante daquilo que eu crio não me parece fazer qualquer sentido. As minhas composições apenas se têm vincado cada vez mais em mim, o que torna uma alteração da maneira de como me apresento ao público pouco provável.
Sendo Kheper um composto de dois sistemas: o meu ser e aquilo que dele surge, apenas será autêntico se existir sinergia na sua estrutura. Daí surge o meu interesse em me fundir, expressar texturas e movimento em sonoridades intensas, em dar corpo ao som, em criar algo cada vez mais coeso... Pelo interesse em explorar esta questão talvez seja o motivo pelo qual, de momento, eu esteja mais virado para mais oportunidades de atuar em live act, do que lançar material. Exigir do som um impacto físico, elevá-lo em volume ao meu nível, parece-me uma prioridade.
O que apresentei esta noite, respeito e reconheço que não tenha tido impacto em toda a gente, não foi uma reação inesperada. Exige do ouvinte um determinado estado de espírito, e claramente uma capacidade de abstração do tempo.

MS- Pelo facto de não gostares de trabalhar em grupo, achas-te uma pessoa egocêntrica? Por exemplo, tu tens ideias e não consegues partilhá-las enquanto não tentares tu recriá-las?

Kheper- Sim, embora não acredite que o facto de eu optar por trabalhar sozinho se associe ao egocentrismo, no que toca àquilo que materializo em som, insiro-me na classificação perfeitamente, uma vez que não pretendo saciar ninguém que não eu. No entanto, estamos a falar de comida que é colocada no canto do prato pela maioria, pelo que pudemos presenciar esta noite. Adotar tal postura não me parece incorreto uma vez que a resposta do público não me impede de continuar a fazer o que tenho feito e me mantem no mesmo registo.
Relativamente a trabalhar em grupo, confesso que tenho curiosidade em criar um projeto, apenas ainda não surgiu ninguém que eu considerasse desafiante.
O que eu produzo não resulta de qualquer tipo de ideias ou planeamento prévio, mas sim de bastante tempo dedicado. Assumir o compromisso de trabalhar com alguém que tenha pouco ou nada para me dar parece-me ser nada mais nada menos que um convite a um parasita.

MS- Então de onde é que surge a criatividade para experimentar este tipo de sonoridades arrojadas?

Kheper- É tudo da Natureza. Se não é da minha é da física que me rodeia, ou da interferência racional do Ser Humano nesta, principalmente a nível industrial, mas talvez divirja este último de Kheper consoante o seu desenvolvimento.

MS- Queres descrever alguma particularidade do teu processo criativo?

Kheper- Gosto de analisar determinadas frequências de um som. Cortar numas, amplificar outras, recorrer à sua modelação.... Esta noite tive uma surpresa.... As colunas, ao contrário do que me foi dito eram mono, o que resultou na perda de conteúdo. Algumas frequências anularam-se, mas foi interessante, achei apesar de tudo, visceral.

MS- Tiveste algum tipo de formação em produção?

Kheper- Não, tudo aquilo que eu sei foi autodidata.

MS- Hoje achas que conseguiste "tornar teu" este público do Montijo, achas que o conseguiste cativar?

Kheper- Como já referi, acho que não, mas não é esse o meu objetivo, para ser sincero. Eu esqueci-me do público completamente. O concerto acabou e eu reparei que estava pouca gente. Aliás eu despertei um bocadinho antes, na verdade, quando disseram que eu tinha mais 5 minutos, mas rapidamente voltei a entrar no transe até ao fim.

MS- Estavas dentro da tua música, por assim dizer. A música é para ti uma forma de libertação da realidade?

Kheper-  Sim, é. Sinto uma influência tremenda naquilo que faço pelo simples facto de não estar em sintonia com o sistema vigente. São poucos os pilares constituídos por massas nos quais me insiro, é escasso o meu interesse na atividade humana. Mas depende da realidade de que estamos a falar, se é que se referem à perspectiva do nosso ser, acho que vivemos sob inúmeras ilusões. Nesse contexto sim, aquilo que eu crio é uma libertação, se visto como uma resposta a toda esta agitação, fé na nossa espécie, violência e cultos sem justificação.

MS- Qual é o objetivo da tua música? Assim que entraste em palco tu refundiste-te. A tua relação com a música é tão estreita que possibilita a formação de “um só”?

Kheper- Para além de ser aquilo que eu quero ouvir, não vejo qualquer outro objetivo. O processo é-me uma espécie de terapia e o que me move é a ideia de que este me possa saciar. Esta noite não é um à parte, faz parte dele. Eu fiz questão de me deslocar o que me desloquei e aparecer hoje porque queria sentir as vibrações das atmosferas que criei fisicamente. Tive apenas a curiosidade de sentir como é o meu som me iria “arranhar” o corpo. De momento o objetivo foi esse.

MS- Qual é que vai ser o teu próximo salto a seguir do Bistroteca?

Kheper- Gostaria de ter outra experiência destas, gostaria de tocar num espaço fechado… acho que seria mais intimista para o meu tipo de música e teria ainda mais impacto em mim do que teve hoje.

MS- Tu estando ainda a estudar, o projeto ocupa-te muito tempo e é difícil de fundir com a escola?

Kheper- É necessário conciliar as duas coisas, não posso prescindir da escola. Infelizmente porque, de momento, não imagino que a minha paixão pelo som possa garantir a minha sobrevivência. A necessidade que tenho de me exteriorizar, insere-o, ainda assim, em primeiro lugar.
Para que o som me ocupe inteiramente, eu preciso de gostar de partilhar e, antes de mais, de confiar nas pessoas. De achar que elas merecem ou de querer algo delas em troca. Entretanto continuarei a ruminar, quero continuar a crescer. É possível que faça uns lançamentos, não me vejo a cuspir tudo tão cedo, mas vou arriscar deixar algum material passar.

MS- Como é que achas que sites como o MontijoSound conseguem apoiar músicos que precisam de muita exposição como tu?

Kheper- Acho que vocês estão a fazer uma excelente cobertura do evento! Relativamente ao apoio que o MontijoSound tem prestado aos projetos que por aqui passaram, inclusive o meu, vejo uma clara dedicação e interesse.
Tenho imensa pena de ter chegado um bocado em cima da hora, mas pelo que vi do Montijo, parece-me ser um local e um ponto de partida interessante para investir em toda esta atividade. Estou-vos grato, e espero que continuem um bom trabalho!

MS- Eventos como o Bistroteca… O quão importantes são este tipo de iniciativas para vocês músicos?

Kheper- Em nome do meu projeto, embora algo fora do contexto do cartaz, senti-me bastante confortável pela recepção d’Os Aleixos e gostaria sem dúvida alguma de voltar a passar por aqui com a curiosidade de assistir ao que surgirá, no futuro, em termos de novas apostas. Acho que a abertura que a Bistroteca revelou, direciona-a num bom caminho. No entanto, por oposição ao Verão, no Inverno ou qualquer outra estação, acho que seria interessante ver Os Aleixos darem vida a um espaço fechado. Seria ainda mais intimista do que já foi.

MS- Manda então cumprimentos!


Kheper- Eu sou o Kheper. Cumprimentos ao MontijoSound e à Bistroteca!

Kheper, o homem


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