Corremos mais rápido que gazelas, deixámos esse sol cair e contámos os nossos dias só para falar com uma banda de Lisboa chamada Capitão Fausto. Falámos sobre nihilismo, criaturas híbridas, máquinas do tempo e Harry Potter. Leiam a entrevista que fez El Salvador lacrimejar a rir e a banda a revisitar melodias que por ficaram por utilizar.
MS - Esta é uma pergunta para todos,
particularmente para o Francisco. Vocês puxaram um vídeo há duas ou três
semanas, e Francisco, tu estavas bué revoltado naquele vídeo… (risos)
Francisco Ferreira - Tava e não tava… Foi uma brincadeira!
MS - Mas o que é que vos levou a publicar aquilo?
Francisco Ferreira - Achámos piada, tava só a ser parvo! Nos
ensaios tou a brincar e nós tínhamos imensos vídeos para promover o disco e
esse era um muito estúpido… Depois tínhamos outros igualmente parvos mas esse
acabou por ser mais parvo que os outros.
MS - Com o estatuto que vocês já alcançaram com os
Capitão Fausto, já pensaram mudar o vosso nome para Almirante Fausto?
Francisco Ferreira - Não é a primeira vez, perguntaram isso
para aí há dois dias! Perguntaram-nos se não devíamos ser Major e eu não não
não. Achas que devíamos ser Almirante? (dirigindo-se aos colegas).
Segue-se uma discussão
sobre os títulos da hierarquia militar, em que Domingos Coimbra revela que o
seu pai foi Alferes e que tinha trinta soldados à sua disposição na qual Francisco
Ferreira revela que, em criança, chamava Power Ranger ao avô em virtude do seu
título militar.
MS - Dizem por aí que neste terceiro disco saíram
das saias da mãe. Resumindo em apenas uma frase, qual seria a mensagem
principal deste vosso eterno retorno?
Francisco Ferreira - Aí vou discordar… Vá, eterno pode ser.
Tomás Wallenstein - Eu percebo porque é que é eterno, é
eternizar um retorno.
Francisco Ferreira - Mas “retorno” parece que vieste de um
fim quase eminente…
Tomás Wallenstein - Não, nem sequer é um reinício, é um
capítulo. Não sei se há propriamente mensagem, acho que somos mais nós a pensar
por nós próprios como é que vamos fazer a partir de agora. Acho que o disco é
um bocadinho uma reflexão… Parámos para pensar e olhar para trás e fazer uma
síntese… Vamos ver como é que vamos fazer a partir de agora.
MS - Como é que sabe esgotar o Lux duas vezes
seguidas?
Capitão Fausto - É porreiro!
Domingos Coimbra - O que seria se nós disséssemos que não
sabe muito bem…
Manuel Palha - Ficámos contentes e se já esgotar um era
bom, esgotar dois é ainda melhor! Três e quatro também seria melhor.
MS - Dezassete já não é bom?
Domingos Coimbra - Dezassete já é demais. Já é a utilidade
marginal decrescente.
MS - Após esta mudança, sentiram também uma
mudança geral por parte do vosso público?
Tomás Wallenstein - Ainda não conseguimos tatear muito bem.
Francisco Ferreira - É o segundo concerto que estamos a dar
com o disco, hoje, então ainda não temos dados suficientes.
Domingos Coimbra - Eu sei, por exemplo, que algumas pessoas
mais velhas do que eu têm-me dito que gostaram mais deste disco do que dos
outros mas isso não é propriamente representativo da amostra total. Mas
algumas pessoas mais velhas, ou seja, quarenta, cinquenta anos, sessenta… têm
gostado muito do disco. E se calhar dos outros podem não ter gostado tanto, não
sei muito bem mas tenho tido algum feedback positivo.
MS - Vamos falar desse disco. Então quais foram os
maiores desafios na concepção de “Capitão Fausto Têm Os Dias Contados”?
Domingos Coimbra - O que custa mais para nós é a primeira
música, a primeira ideia, é o que demora mais tempo a arrancar. O arranque é o
mais complicado, o maior desafio, porque a partir do momento em que se consegue
fazer ou uma ideia, duas ou três, depois já percebemos rapidamente para onde é
que queremos começar a caminhar. O grande desafio é sempre começar.
MS- Mas por exemplo, vocês têm linhas melódicas mais
complexas e acrescentaram mais instrumentos neste disco. Consideram isso um
desafio ou surgiu naturalmente?
Domingos Coimbra - Essas coisas saem-nos naturalmente. O
disco não é melhor, pior ou muito diferente pelo número de instrumentos que
tem.
Francisco Ferreira - Foi mais pelo prazer do que pelo desafio
de fazer essa construção toda, enquanto que o outro disco tem uma exploração
mais sónica este tem uma exploração mais melódica. Mas isso não foi um desafio,
deu-nos mais prazer.
Tomás Wallenstein - Se há algum desafio é de facto a escolha
inicial… nem sequer é muito temático mas um bocado “O que é que vai unir as
músicas todas?” e qual é que vai ser a estética. No fundo, a estética é aquilo
que tu pareces, o que nós escolhemos parecer para agora. Acho que, ao
princípio, é o que demora mais tempo a sair.
MS - Este disco tem uma aura mais nihilista.
Estavam a conter esse lado?
Tomás Wallenstein - Não me estava a conter
muito, acho que é atual. Eu senti que quando escrevi para os outros discos
estava também a tentar ser o mais honesto possível e fiz algumas escolhas de
ferramentas que nestas já percebi quais é que gostei mais e menos e o que é que
me apeteceu trabalhar mais ou menos e mudar. No fundo acho que a intenção
sempre foi parecida, não andava a conter para sair agora.
MS - Quem é o mais nihilista do grupo e como é que
isso se reflete no dia-a-dia?
(todos concordam que é o Francisco Ferreira)
Francisco Ferreira - Sou muito. Não sei, entristece-me um
bocado aperceber-me disso (risos).
MS - Não é uma coisa necessariamente má…
Francisco Ferreira - Eu lembro-me que na altura em que estava
na faculdade tinha um desejo um bocado mórbido de fazer trabalhos à volta do
nihilismo. Sempre que tinha um trabalho teórico que tivesse que associar a um
pensamento associava sempre ao nihilismo e acho que isso reflete-se um bocado
em mim. Obrigado malta, por me elegerem o nihilista do grupo (diz aos
restantes).
MS - Numa fase da vossa vida em que Alvalade já
chamou por vocês e que já padecem do peso das contas para pagar, também há que
investir. Até ao fim do ano, que sonhos a nível profissional podem partilhar
connosco? Ou mais utópicos?
Domingos Coimbra - No
meu caso, ser bilionário. Até ao final do ano. Eu acho que é realista. Vocês
não acham?
Tomás Wallenstein - Ah,
completamente.
Domingos Coimbra - Daqui a seis mesinhos estamos nas
Caraíbas.
De seguida, disparam
bitaites que justificam esse enriquecimento exponencial, num imaginário que envolve a banda a ser comprada ora por chineses, ora por um “Abramovich da música”.
MS - Quando forem bilionários, vão começar a ouvir
Força Suprema?
Momento de ligeira
satirização aos Força Suprema, grupo oldschool de rap de bairro. "Quem
são esses?" questiona-se Tomás; "Isso é algum tipo de movimento
ou banda ou assim? Isso é uma editora? Fica onde?” brinca Manuel Palha.
MS - Se
tivessem uma máquina do tempo que vos permitisse regressar para a fase do
"Gazela", o que é que diriam a vocês mesmos?
Os Capitão Fausto exclamam um “haaaam” em uníssono e tentam
chegar a uma resposta comum, “uma maneira mais realista de transformar a ficção
em ciência”, diz Francisco Ferreira. “Se fosse mesmo em ciência, o que
aconteceria era que qualquer coisa que disséssemos a nós ia alterar os factos
do percurso que nos fez chegar até aqui, e como eu estou a gostar de estar cá…”.
Tomás Wallenstein - Para sistematizar, se fosse agora para
fazer o Gazela, provavelmente teríamos feito de uma maneira diferente. Mas na
altura acho que fizemos aquilo que pudemos, não havia grande coisa a mudar. Eu
acho que uma pessoa não faz exatamente o que quer, tenta fazer o que quer, mas
faz o que pode. Porque está limitado com as capacidades, com as ferramentas,
com o conhecimento.
Domingos Coimbra - Eu acho que
se o meu Eu do passado visse o meu Eu do futuro ficava um bocado triste e
assustado porque estou muito mais gordo e com pior cara.
Recordam os vídeos do
Manuel, da fase do Gazela e desabafam que estavam todos com um ar mais fresquinho
e com uma cara mais limpa. Como vos compreendemos…
MS - Como é que o Gazela podia ficar melhor, não
consigo ver como, sinceramente…
Tomás Wallenstein - Se calhar, com outro conhecimento, tínhamos
gravado aquilo de uma maneira diferente. Acho que era assim a principal coisa
que eu ia atacar logo.
Domingos Coimbra - Aquilo é um bocado a coisa do momento e o
álbum seguinte é a coisa daquele momento e este aqui foi o deste momento. Não há
grande coisa a controlar.
Francisco Ferreira - Fiquem bem ou mal, o melhor é deixá-las
estar, para depois aprendermos com elas.
MS - Como lidam com os
comentários negativos, depreciativos e de teor não-construtivo referentes ao
novo álbum?
Francisco Ferreira - O pior são os não-construtivos. Agora depreciativos...
MS - Sim, fiquemo-nos pelos não-construtivos.
Francisco Ferreira - A opinião que tenho para os comentários não-construtivos é a mesma que tenho para os comentários positivos. Vou falar de uma experiência muito recente. Ainda há pouco tempo li uma crítica ao nosso disco, um parágrafo curto ou dois e isso era uma das razões por não ser muito construtivo. Era supostamente uma crítica, dava uma pontuação e falava muito bem sobre o nosso disco mas não construía nada o porquê de gostar do disco e isso não me deu prazer nenhum, eu não retirei muito de ler esse texto. Tenho exatamente a mesma opinião para as críticas depreciativas em que não gostam das coisas, porque se não for construtivo...
Tomás Wallenstein - E mesmo quando é construtivo é natural haver pessoas que não gostam!
Francisco Ferreira - Dá-me gozo ler uma crítica de alguém que não goste e que se for muito bem construída...
Tomás Wallenstein - Isso dá argumentos às pessoas que gostam. As pessoas gostam por certas razões e as pessoas que não gostam têm as suas razões para não gostar. E o facto das pessoas que gostam também gostarem tanto é por aquilo causar discussão. É natural, eu não gostava que toda a gente gostasse.
MS - Como é que convenciam, apenas com palavras, um puto da escola básica a gostar do vosso trabalho?
A banda consente que não entraria em palavras e ainda discute como é que poderia ser feita a abordagem.
Domingos Coimbra - Mekié meu puto? Vais aí ao YouTube e pesquisas Capitão Fausto, e ele ia ouvir.
Francisco Ferreira - Acho que não nos cabe a nós estar a fazer uma apresentação ou até um incentivo positivo promocional da nossa banda, não nos cabe a nós.
Tomás Wallenstein - O que nós fazemos é mostrar só. Se às vezes, em algumas entrevistas perguntam-nos para nós nos analisarmos, estão a pedir para termos um olhar analítico e isso quase se torna em como se nós nos tivéssemos a vender a nós próprios. Acho que não nos cabe a nós estar a vender essa parte.
Francisco Ferreira - Não é justo porque nós, à partida, vamos sempre gostar.
Tomás Wallenstein - Nós apresentamos a coisa de uma maneira passiva e quem gostar gosta, quem não gostar, não gosta. Se o miúdo fosse gostar, à partida não precisava de ser convencido a gostar... Mesmo uma criança.
MS- Voltando então a uma das perguntas anteriores, se tivessem uma máquina do tempo que vos permitisse voltar à fase do Gazela...
Deu-se um break no alinhamento das questões, visto que um membro do Montijo Sound decidiu trollar (ele diz que não), e repetir uma questão outrora feita. As gargalhadas servem de arranque para a descoberta de ideias mais firmes:
Manuel Palha - Eu tentava evitar, quanto muito ia ver coisas que não tinha visto.
Eu fazia como no Harry Potter, com o vira-tempo, eles não podem interferir no tempo.
MS - Mas há o Pensatório e o Vira-tempo. O Pensatório ainda é melhor porque não há influência na ordem das coisas
Manuel Palha - Eu ficava ali mesmo a ver e a dizer "epá que fixe" e ia-me embora.
Domingos Coimbra - "Pá, dá-lhe aí meu puto!"
Manuel Palha - Mas dizia de longe, tipo "força, dá-lhe aí!".
MS - Imaginem uma personificação do vosso álbum, tudo aquilo que escreveram e compuseram é agora um ser humano. Se lhes fosse feita a clássica questão "o que é que dizem os teus olhos?" o que é que acham que este ser, o vosso filho, responderia?
Francisco Ferreira - Eu tou a imaginar um ser humano careca, com os olhos sem cor...
Todos concordam que diria uma espécie de charada: "Se eu sou tu, quem sou eu?"
Francisco Ferreira - Eu acho que ia ser muito enigmático. Tal como a forma dele, acho que ia ser um ser sem forma, sem conseguires definir muito bem como é que ele seria, não ser humano mas bué pálido e sem pêlos nenhuns... Com um ar básico, muito humano e quase sem forma. Não percebes a raça dele (risos), claramente humanóide.
MS- O vosso som é uma coisa introspetiva, então? (tendo em conta que os Capitão Fausto classificaram a anterior charada como instrospetiva)
Concordam em uníssono e desenrola-se uma discussão cuja conclusão é a de que não falam de temas em específico senão deles próprios.
MS- Como é que acham que iniciativas como o Montijo Sound pode ajudar bandas pequenas, que estão agora a começar, a tornar-se Capitães?
Francisco Ferreira - Pá, qualquer promoção que se faça de qualquer banda, seja pequena ou grande, é ótima! Nós fazemos um bocado disso também, nós tentamos falar com o máximo nº de pessoas possíveis... Tanto quando começámos, como agora! E se algum sítio tem disposição de pegar em bandas menos conhecidas e o faça numa base diária... é muito mais que positivo.
Tomás Wallenstein - Eu acho que também tem a ver com o tipo de entrevistas que se fazem e eu até achei que vocês fizeram uma entrevista bastante interessante. Regra geral, muita gente que tem um blog depois não chega a ter ideias para ter uma conversa qualquer e não é preciso levar-se muito a sério e acho que para ser lido tem que ter o mínimo interesse, não pode ser daquelas perguntas de bê-á-bá e apoiamos, acho que é importante. Até para as bandas que estão a começar, para sentirem que as pessoas interessam-se pelo que elas pensam... também as faz questionar-se a si próprias. Portanto acho que são iniciativas muito boas... e desejo muita sorte.
MS- Qual foi a faixa que vos deu mais prazer gravar e produzir? Vamos ouvir cada um, a começar pelo Francisco.
Francisco Ferreira - Para mim, muda de dia para dia. Porque eu, a certa altura, lembro-me duma música, o prazer que ela me deu e fico a pensar um tempo nisso durante algum tempo "Ya, isto foi buéda fixe de gravar" mas depois passa-se uma semana "ah, de facto esta foi bué fixe de se gravar, também". É uma coisa muito transitória, acho que é impossível ter uma resposta eterna. Acho que está ligado com a música que gostamos mais do disco, do meu ponto de vista é uma coisa que está sempre a mudar.
Domingos Coimbra - A que me deu mais prazer de fazer e gravar (não é necessariamente a que eu mais gosto mais) foi "Os Dias Contados", porque foi a música que passou por mais fases e teve mais vezes para não ser aproveitada e eu sempre acreditei que aquilo podia dar em alguma coisa e acabou por dar.
Manuel Palha - Eu também concordo... Nós sempre fomos da mesma opinião (risos gerais).
Tomás Wallenstein - A que me deu mais prazer foi a "Amanhã Tou Melhor" que não é de todo das minhas preferidas mas das que deu mais voltas.
Francisco Ferreira - Eu gosto de especificar que isto aqui que nós estamos a falar não é bem da gravação, que ocupa um curto espaço de tempo. O gravar é o fim de todo o trabalho que já foi feito.
MS - Como é que funciona esse processo de composição?
Francisco Ferreira - Todos juntos os cinco, depois o Tomás faz a letra, a melodia e a voz,.. Debatemos, mas fazer o instrumental, fazemos os cinco.
Atenção que este disco foi uma estreia para nós em termos de letra em papel... temos partes de disco escritas mesmo em pauta, nunca tínhamos.
Segue-se uma breve explicação: a banda contratou músicos profissionais que chegaram ao local de gravação, leram as pautas e gravaram.
Salvador Seabra- Concordo um bocado com eles, a "Amanhã Tou Melhor" levou umas voltas muito engraçadas. Desse disco, talvez, essa foi a mais desafiante,
A banda discute as alterações da música até esta ter o seu resultado final e deixaram-nos com a seguinte mensagem:
"Shout Out para o Montijo Sound, por nos terem recebido e por nos terem dado alta entrevista, divertimo-nos bué!"
Prezados agradecimentos:
Capitão Fausto
TimeOut Bar
Raquel Lains
MontijoSound 2016