domingo, 28 de fevereiro de 2016

Exclusivo: Entrevista a Far Warmth

Faz um ambiente bastante característico, juntando, em muitas das suas faixas, samples diversas e misturando-as, e utilizando instrumentos instrumentos como o seu piano inseparável, mas também sopros e xilofones...
Far Warmth (Afonso Ferreira) prova-se um artista devoto ao experimentalismo, que espanta com as suas performances bastante visuais e um som muito abrasivo, com uma grande carga emocional, como se pode ouvir no seu mais recente trabalho Beneath the Pulse, cá fora em inícios de Fevereiro e apoiado pela Alienação. Como curiosos e amantes de música ambiente e experimental que somos, precisávamos de saber mais acerca deste projeto.



Montijo Sound - Então como é que tem sido a reacção do público a Far Warmth?

Far Warmth - Está a ser boa, penso que as novas coisas que estou a fazer como Far Warmth, as pessoas podem interiorizar muito mais e é muito mais evasivo ao ouvido, a carga emocional é muito mais forte.

MS - Onde é que vais buscar essa carga emocional então? Em que é que o teu som se inspira?

FW - A inspiração pode tanto vir de episódios vividos por mim, ou por outros perto de mim, coisas que se arrastam ao longo dos anos, o que é algo que se pode perceber na sequência "years" do novo álbum. Além disso, quanto ao conteúdo musical vem de muitos géneros... Há muita musica que pode ser fundida, desconstruída e retida entre uma e outra vertente de género, subgénero, que resulta em algo assim.

MS - Ou seja, tu no teu som vais buscar influências de todo o lado, tipo não só ambiente, mas eletrónico...

FW - Sim, electrónica, metal, clássica, épica, seja o que for. Mas sim, dentro do eletrónico e experimental, noise e drone também...

MS - Tu falaste agora da sequência "years"... Nós, público, reparamos mesmo que o álbum está escrito de uma forma quase sequencial. Fala-nos disso...

FW - Sim, sim, é uma sequência. Temos a primeira sala ( Room N65), que é a primeira faixa e depois voltamos a ter outra sala na faixa oito ( Room I1 53). Isto são salas físicas, onde eu gravei os sons depois inseridos e transformados e manipulados em software para estas faixas. Após a primeira faixa temos a sequência "years", depois a sexta e a sétima faixa também se ligam. A oitava é a segunda sala, interligada com a primeira faixa. depois temos a "Shore", que tem duas partes, após isso a "Bloodstrings" e "Quarto", que também se interligam, aqui na "Quarto" que é uma faixa muito curta, com pouco mais de um minuto, se tanto, e participa o João Rochinha na guitarra, que também está na "Bloodstrings" mas completamente alterado e modificado. Acabamos com "Breath" que também é dividido em duas partes.

MS - Falaste-nos em teres usado guitarras... Com que outros instrumentos é que experimentaste e manipulaste para fazer o teu som?

FW - Sim, este álbum tem desde guitarras, a pianos e didgeridoos e uns xilofones aqui na Room I153, que eu gravei numa escola. Havia uma turma a tocar xilofones e chamou-me a atenção e eu gravei e levei isso para estúdio e trabalhei sobre as samples até construir algo sólido.

MS - Já agora, por curiosidade, como é que gravaste o didgeridoo?

FW - Gravei a tocar, vários drones e foram inseridos na sétima faixa, "Lights and Asphalt", com alguns efeitos e podem-se ouvir durante a faixa toda... podem não ser identificados como didgeridoos, mas eram e depois sofreram alterações, mas estão lá (risos).

Beneath the Pulse de Far Warmth


MS - Se obter reconhecimento a fazer musica indie já é difícil, como será a fazer musica ambiente, sem vocais e aquela parte humana a que as pessoas estão habituadas?

FW - A voz está sempre presente, até neste álbum, em pequenas partes, apesar de não ser reconhecível que é voz. Mas eu creio que a voz tem estado tão presente ao longo da História, que creio que é necessário, senão fulcral haver momentos interligados com a voz, sem voz nenhuma, porque a presença constante da voz acaba por se tornar banal. E eu creio que a falta de voz não quer dizer que não haja uma parte humana, porque normalmente onde há voz, há letras, e eu creio que as palavras não chegam, por mais que sejam empregadas das maneiras mais bonitas e grandiosas vozes e acho que é aí que se torna muito humana a música ambiente, drones, etc., acho que incorpora um estado humano básico, que vai ás bases e ás raízes do ser humano, sem palavras. A língua aqui não é relevante, não há barreira nenhuma, isto é, acho que é a parte mais humana crua, pura.

MS - Então estás a dizer que a parte vocal se tornou ao longo dos tempos banal e sobrevalorizada, é isso?

FW -  Sim, vou só sublinhar que eu não abomino a música vocal. Tenho agora um projeto com uma vocalista e temos duas faixas no soundcloud, mas estamos a preparar um EP, que deve sair lá para finais do  verão e tenciono inserir vocais reconhecíveis na minha música como Far Warmth para um próximo álbum. Mas como tu disseste, penso que existe essa barreira muitas vezes, de não ser levado a sério por não haver um ritmo constante, ou uma estrutura comum, algo minimamente apelativo nesses termos. Também porque acho que uma grande parte do público espera sempre isso, quer ouvir uma batida, quer ouvir uma voz e interage bastante com isso e o resto acaba quase por se desvanecer para o plano de fundo.

MS - Então tu acabas por exteriorizar as tuas emoções na tua música, ou no fundo fazes o público sentir coisas, não as sentindo tu?

FW - É um pouco dos dois, há momentos na minha música que são muito próprios e exponho-me bastante, de uma maneira que não me conseguiria expor com voz e letras, poemas, por exemplo na sequência "years" e há outras que o meu papel não foi como compositor nem estou a expressar emoção nenhuma, estou apenas a interpretar, por exemplo a turma de crianças que estava a tocar o xilofone naquela altura em que eu passei junto há porta da sala e resultou numa faixa muito interessante. Mas lá está, a sequência "years" é 100% eu, tem tudo de mim e depois essa faixa, a oitava, a única coisa que tem de mim é a minha interpretação daquele som. Claro que os sentimentos que saem de mim para estas faixas entram depois no ouvinte.

MS - Tu acabas ficar mais intimamente ligado a essas faixas onde te expões mais?

FW - Tanto me afeiçoo, porque sinto que é muito próprio, que é muito meu, ou me distancio por completo, porque aquilo já tinha de sair de mim há muito tempo e ainda bem que já saiu e não quero ter mais contacto com isso, posso tocar ao vivo mas não serão muitas vezes.

MS - Enquanto artista o quão apoiado estás tu? A Alienação é o teu único tipo de apoio, ou há mais instituições ou pessoas que te ajudam?

FW - Sim, recentemente no Estrela, onde a Alienação vai ter a sua primeira noite, o organizador do Estrela, Xavier Almeida, veio ao meu encontro para me fazer um convite a atuar no primeiro evento da Proto Estrela, realizado no último sábado e após isso, uma pessoa que estava no público veio ao meu encontro também e também me convidou para outro concerto, em Maio no Desterro. Surpreende-me sempre as pessoas virem ao meu encontro para atuar porque estive algum tempo em que era só eu a mandar mails para aqui e para ali... Agora somos duas pessoas a mandar mails para aqui e para ali! (risos)

MS - O modo como gravas as tuas faixas é todo feito em casa, ou utilizas algum estúdio de alguém ou... como é que funciona esse processo?

FW - É um pouco de tudo. Na minha música tanto gravo instrumentos aqui em casa, na casa de um colega meu, gravo instrumentos na escola de música onde eu ando, em Oeiras, e gravo samples daqui e dali... e depois funde-se tudo numa composição sólida e fluída.

MS - Fantástico! Então para acabar diz-nos só onde é que te vamos poder encontrar a seguir e lançamentos a surgir...

FW - Então eu lancei agora o meu álbum, o Beneath the Pulse, que está disponível no meu Bandcamp e no meu Soundcloud, no Youtube da Alienação e no Soundcloud da Alienação. Podem fazer download gratuito, pagarem o que acharem melhor no meu Bandcamp pessoal.
Vou atuar dia 3, próxima quinta feira, dia 3 de Março no Estrela, na Graça em Lisboa. Começa as 7, acaba ás 11, eu toco ás 9 da noite... Após isso, em Abril ainda não há nada marcado, mas quem sabe... Em Maio toco no Desterro e depois uma actuação no Covil, a ser transmitida na rádio quântica.

MS - Manda os teus cumprimentos para o Montijo Sound e para os leitores ; )

FW - Parabéns ao Montijo Sound pelo seu crescimento e espero que esteja tudo a correr bem e que venham coisas novas a caminho! E tenho saudades daquela noite na Bistroteca, foi muito bom, e espero que nos voltemos a encontrar em breve!


Podem ver o trabalho de Far Warmth no seu SoundcloudBandcamp, ou através do Youtube da Alienação




Sem comentários:

Enviar um comentário