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segunda-feira, 13 de junho de 2016

Entrevista aos Salto: "A idade corre com pressa, a idade não está a andar para trás, não vai devagar..."




Em idos de maio, num jardim em S. Bento, houve passeata pelo imaginário dos Salto. Os portuenses não puderam estar todos presentes mas o Guilherme Ribeiro queimou as "mãos pelo futuro", numa agradável tarde abrasadora. Fica aqui a conversa:


MS: Há dois anos sentiram-se obrigados a adicionar novos membros para a banda, onde e como é que isso influenciou a visão que tinhas para o som do grupo?


Guilherme: Isso partiu de uma ideia minha e do Luís, que somos os fundadores dos Salto e a ideia de termos mais duas pessoas vinha muito da necessidade de partilhar a música que fazíamos com mais alguém - nesse processo de fazer música. Não queríamos contratar músicos para ter ouvido, não era essa a cena, queríamos alguém que tivesse um ouvido, connosco nos Salto. Na sala de ensaios a criar, a fazer, a experimentar com o mesmo grau de liberdade que nós sentimos enquanto Salto. Não nos sentimos presos a isto ou aquilo... e vínhamos de um ano em que tínhamos tocado muito o primeiro álbum, 2013, que era um álbum que tinha imensos sintetizadores e imensas camadas, a cena de estar em estúdio a gravar por cima mais isto e mais aquilo... Tínhamos feito uma versão reduzida disso mas que ao mesmo tempo já era uma bastante completa daquilo que se passava no primeiro disco em que o Luís estava a tocar em dois teclados e, de repente, pegava numa guitarra ou pegava no baixo. Trinta por uma linha! Então se não era muito fixe nem para ele estar em palco, veio a necessidade de 
pôr mais pessoas para cada um também explorar melhor a sua parte, para se explorar com mais à vontade... Falámos com o Tito, que já tinha tocado connosco no lançamento do primeiro álbum e com o Filipe, que nunca tinha tocado connosco mas que fez o curso da Escola Superior de Música connosco. Já o conhecíamos bem e fazia sentido partilhar um entusiasmo parecido com a música.


MS: Depois de "passeio dos alegres", porquê continuarem a brincar com a gravidade e não chamarem à banda "viagem espacial sem retorno", com essa fusão e mescla de géneros, sentem as vossas possibilidades infinitas em termos de som e não presos ou obrigados a seguir certa linhagem de sonoridade?


Guilherme: Não nos sentimos minimamente presos, não faz sentido sequer. Não faz sentido para nós! É ótimo haver bandas que se dedicam a fazer rock, rock psicadélico, rock progressivo, música eletrónica, hip hop ou o que for... e que se dedicam a vida toda a fazer isso! Nada contra. Para nós é muito difícil. Não é por algum medo de nos comprometer, é mais pelo nosso fascínio com as coisas novas que vamos ouvindo todos os dias, às vezes vou ouvir coisas novas que eram dos anos 30, se for preciso! Não vamos andar à procura do que vai sair este ano e do que temos que ser parecidos, nada disso. Estamos é à procura da música que nos fascina, entusiasma e deixa completamente overwhelmed e que nos dá pica tocar. Não estamos a pensar em género nem em estilo, estamos a pensar numa cena que para os quatro faça mesmo sentido tocar.



MS: É fácil chegarem a concordância? Tem todos uma espécie de química, nesse sentido?


Guilherme: Nós também fazemos música juntos porque já há uma série de coisas que partilhamos. Desde gostos - embora haja muitas ramificações mais específicas - há uma série de coisas que são transversais a todos e é por isso que estamos juntos. Se um de nós só gostasse de música clássica era muito difícil estar a fazer isto. Só se fosse sem paixão nenhuma e quase por obrigação mecânica. Por isso, essa concordância é um desafio. Claro que há coisas que, de repente um não sabe nem estava à espera de ir por aquele caminho e de repente até fica "Isto faz todo o sentido!". Mas acho que é isso, como temos gostos e maneiras de estar que são um bocado transversais a todos, com as suas diferenças, essa concordância no que queremos fazer acaba por ser fácil. No que queremos que Salto diga, musicalmente.



MS: Falando do single "Lagostas" até porque gostamos muito de dançar ao som deste... De onde vem o nome da faixa e é sobre o quê?

Guilherme: "Lagostas" é um nome de guerra! É uma cena como quando estás na sala de ensaios a fazer uma música, não sabes que nome é que lhe dás porque não tem nome. Mas depois acabou por funcionar bem no ambiente do vídeo e no ambiente que a letra sugeria. A tal Lagosta que vês no vídeo, uma personagem meio fora deste mundo, mas ao mesmo tempo faz parte e se calhar cada um de nós é um bocado daquilo... A letra fala sobre alguém que está em situações que não são muito possíveis nem reais mas que só de se poder imaginar nessas situações, já garante ali uma probabilidades destas poderem vir a acontecer. A cena de imaginar toda a humanidade no fundo da rua, isso não acontece! Primeiro, tu não sabes o que é toda a humanidade, muito menos no fundo da rua... "Não vou jantar" é no fim disto tudo. "Caramba, é tanta coisa que está a acontecer aqui à volta!" que tu não tens tempo para isso, não há vontade, há muito mais a fazer... Mas foi um bocado natural, não muito pensado. Podia ser, mas "não vou jantar" nem tem a ver com o nome "Lagostas" e depois as coisas acabaram por se juntar e fazer algum sentido. Na Antena 3 - a rádio que nos apoia - quando mandámos o single disseram "Fogo, lagostas, vocês estão a viver acima das vossas possibilidades!" e ouviu a música e disse "Fogo, isto é mesmo fora, vocês falam de lagostas e dizem que não há jantar!? É mesmo adequado ao momento que se vive agora!". Mas não é a pensar nisso, é sobre situações que te fascinam tanto que tu ficas aí mesmo sem possibilidade sequer de pensar em jantar. Tem umas imagens caricatas e engraçadas, tipo aquela cena de imaginares a tua idade ao lado de outro. Tu não vês a idade, nem a idade de outra pessoa. Tu vês uma pessoa que por acaso tem uma idade, tem uma história, tem uma vida, tem o que for... "Encontrei a minha idade/ Ao lado da tua/ Com pressa de quem corre/ Com pressa de quem muda de roupa para jantar". A idade corre com pressa, a idade não está a andar para trás, não vai devagar, vai sempre a um ritmo cruzeiro e muitas vezes, quando passam quarenta anos, as pessoas ficam "Eish, já passaram quarenta anos, foi a correr!" Também tem a ver com o facto do tempo passar e perderes oportunidades em que podes fazer coisas importantes e sentes que é tempo perdido, que o tempo passou ainda mais rápido. Ao mesmo tempo, quando o tempo passa rápido, passa bem e não te custa a passar... Estás a aproveitá-lo bem. Não fala só sobre uma coisa.


MS: Eu interpretei mais no sentido de todos passarmos por isso e de estarmos todos no mesmo caminho. "Eu não estou a ver nomes nem números e estou a ver aqui uma pessoa que está a passar pelo mesmo". Como quando encontramos química com alguém, apensas numa conversa?

Guilherme: Sim, mas é isso e tem essa possibilidade de interpretação, obviamente. Não são histórias que nos aconteceram e que são fechadas, têm uma possibilidade de interpretação... Obviamente que queríamos dizer uma série de coisas com isto mas à medida que vamos "entrando" mais na letra e vamos perder mais tempo a "olhar" para ela e a cantá-la, também vão surgindo mais possibilidades. Isso é constante nas letras de Salto, nós não somos contadores de histórias... mas também porque não sabemos ser. Nem sentimos vontade de ser. Mas por um lado não queremos nem contar histórias. É uma maneira muito natural de escrever, por pessoas que não são propriamente escritores e que não se dedicaram - embora agora temos vindo a dedicar mais. Também tens de crescer nesse aspeto e saber usar melhor jogos de palavras. Não somos, de todo, escritores nem poetas .



MS: O quão conceptual pode ser passeio das virtudes? Se existisse um passeio onde o álbum fosse passado, onde é que esse passeio seria?
Guilherme: O álbum resume muito a tour "Mar Inteiro", que fizemos. Foi a primeira fez que fizemos uma coisa do género e foram umas doze ou treze datas muito concentradas. Foi assim muito condensado, mesmo. Nessa altura não tínhamos o álbum, sequer. Tínhamos a "Passeio das Virtudes", a "Mar Inteiro", a "Estrada Gasta" sem andar a tocar, a ideia da "Lagostas" mas sem letra... A "Queimo as Mãos pelo Futuro" mas também não andávamos a tocar... A "Uma de cada vez" sem letra, que nos dava alta pica tocar... e foi um processo de conhecimento como banda de quatro pessoas. Com o Filipe e com o Tito ainda não tínhamos bem essa dinâmica, o Tito diz que essa altura serviu de "pré-época". São muitos passeios, são muitas viagens. É isso tudo resumido num álbum mas ao mesmo tempo não foi tudo escrito e composto durante aquela tour. Mas aquela tour serviu para ganhar tanta dinâmica como banda que foi um tempo importante para o álbum nascer. Não dá para resumir a um "passeio" mas a tour "Mar Inteiro" é o início disso, sem dúvida. 

MS: O que ganha uma banda sediada no Porto em relação a uma banda lisboeta? O que é que é melhor no Porto?
Guilherme: Posso dizer que as francesinhas são melhores no Porto, de certeza (risos)! As tripas... Estou a brincar! Gastronomicamente, há coisas que são melhores! Mas a nível do que é que é melhor ou pior... não sei, só agora é que estou a experimentar a vida de Lisboa, mas é no Porto que ensaiamos. Sei lá, aqui (Lisboa) tem mais dias de sol do que no Porto. Para relatar coisas que ouvi, há uma imagem que as bandas de Lisboa costumam ter das bandas do Porto: que tocam muito bem. Se calhar é porque tem mau tempo e se calhar passam mais tempo na sala de ensaios (risos). Eu não tenho grande opinião sobre o que é que há a mais num sítio do que noutro. És obviamente um bocado do sítio onde nasces e isso torna-te na pessoa que és. Muito possivelmente, se fossemos de Lisboa fazíamos uma coisa diferente. Mas isso é natural para qualquer área de coisas mais artísticas ou criativas. Um arquiteto que estude em Lisboa e outro no Porto terão orientações diferentes, estilos diferentes. Na música isso também acontece e nota-se. Sem ser sotaque, as pessoas notam "soa-me a uma banda do Porto!". Eu não sei muito bem quais são as características, mas há muita gente que reconhece. Os Salto têm muito a ver com o Porto nessa medida em que sempre foram lá que fizeram música, mas ouvimos música de tantos lados do mundo e de tantas épocas diferentes que também acabas um bocado por ser desses sítios todos e dessas épocas todas. Não sei, é diferente.


MS: A vossa sonoridade remete-nos para dentro de um videojogo dos anos 80, principalmente a do album homónimo. Se esse jogo existisse e fosse comercializado, como é que o descrevias?
Guilherme: Um grande jogo, por acaso! Assim um jogo com uns samurais que andam de carro, tipo Super Mario Kart e que não lutam, deitam aquelas bananas para despistar os que estão atrás... Claramente 2D, jogo interminável, não acabam os níveis. Quando, de repente, pensas que acabaste o nivel voltas ao primeiro e as cores são ao contrário... Carregas para a direita, ele vai para a esquerda. E é sempre a evoluir assim, queres subir e tens que saltar para descer! Coisas assim. E ao mesmo tempo, joga-se futebol! Karts com pessoal a jogar futebol vestido de samurai. Ao mesmo tempo, tens os níveis em que podes jogar aquele Bejeweled (risos), que é o jogo mais ridículo. E Candy Crush, fogo! Tem minas, obviamente, tipo Minesweeper. É tipo todos os jogos juntos, a 2D, com níveis infinitos. Acho que é isto.

MS: No vosso ambiente de ensaios, tendo em conta a vossa dinâmica de criação e ideias… como caracterizavas a energia e o papel de cada membro da banda nisso?
Guilherme: Mesmo aí, nós javardamos um bocado, principalmente eu e o Luís que pedimos ao Tito para tocar bateria, pegamos no baixo do Filipe e começamos a tocar... Não há um papel de um ou de outro, o Filipe não é só baixista e o Tito não é só baterista. De repente trocamos de instrumentos e tá tudo a tocar outra coisa e até nasce uma ideia para uma música aa custa disso. Com a "Lagosta", o fim que usámos ao vivo, nasceu exatamente disso. Sabíamos bem como queríamos acabar aquela música ao vivo. De repente, a música desaguou num instrumental mesmo forte, quase com um riff coletivo. As letras acabam por estar mais comigo e com o Luís, mas acho que veio muito também porque foi assim que começou. Escrevemos o primeiro álbum e o segundo também, tirando duas letras que são do Lucas... A nível de feitio e personalidade o Tito é o mais calmo... o Filipe é calmo mas, musicalmente, está a curtir que nem um doido. O Tito é tranquilo, mesmo na postura de tocar bateria... O Filipe é mais comedido mas quando se passa é tipo WOW. Eu e o Luís somos um bocado irrequietos, estamos sempre ali meios elétricos. Mas também vai mudando muito, depende dos dias. Somos um bocado inconstantes, isto é a conclusão.

MS: Dentro da cena tuga, que bandas é que andam a ouvir?
Guilherme: Olha Throes + The Shine, Moullinex, Capitão Fausto. O mundo é tão pequeno que, de repente, já os conheces a todos... A primeira vez que tocámos com os Capitão Fausto foi em 2011, em Lisboa, e eles tocavam quase só covers... Antes de irem, sequer, gravar o "Gazela". Assim bandas tugas, Gala Drop, BISPO, Modernos, Glockenwise. Estas são mais a falar pelos quatro. Há mesmo muita coisa e eu muito provavelmente estou a esquecer muitos.

MS: Se pudessem dar um salto a qualquer parte do mundo, onde e a quem é que gostariam de apresentar as vossas malhas?
Guilherme: Curtíamos de ir ao Canadá estar com os BADBADNOTGOOD, quase de certeza. Ir a Inglaterra estar com o Caribou e Floating Points. Nos E.U.A. íamos dar uma perninha a vários sítios, com os Battles. Na Austrália íamos ver os Pond e cá em Portugal estávamos com o pessoal todo que já estamos. Acho que curtiamos de estar com o SHIGUETO. Mais! Já agora é para perder um ano a viajar! Ah, íamos ter com a St. Vincent.

MS: Falando de planos para o futuro, qual é o concerto que mais aguardam ansiosamente?
Guilherme: Na verdade, são muitos, nós adoramos tocar! Obviamente Super Bock dia 16, vamos obviamente invadir o palco do Kendrick (risos)! Nós não, o nosso é o Antena 3.

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