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quarta-feira, 20 de abril de 2016

Entrevista exclusiva: Old Jerusalem: "De momento acho que este (A rose is a rose is a rose) é o meu álbum mais bem conseguido de todos que já fiz"


"A Rose is a Rose is a Rose" é o disco que responde aos desesperos dos fãs de Old Jerusalem, que ansiavam por ouvir novas canções do artista desde 2011, espera essa que, embora longa, provou-se extremamente gratificante, não seja este um dos mais talentosos e reconhecidos músicos singer/songwriter portugueses da nossa época. Fora isto, conta já com uma discografia que incorpora sete discos, a partir de 2002.
Fomos falar com Francisco Sílvia (Old Jerusalem) sobre este soberbo pedaço de música folk que nos presenteou com o seu regresso:

Francisco Silva é o rosto por detrás de Old Jerusalem (photo by VICE)

Montijosound - No Arte-Factos lemos que o titulo do disco é na verdade uma linha de Gertrude Stein, isso foi uma mera coincidência ou houve plena intenção na escolha do nome?

Old Jerusalem - Não se tratou de mera coincidência, conhecia o poema e a intenção foi efetivamente referenciá-lo, mas o uso da expressão no disco não está diretamente relacionada com o texto da Gertrude Stein.

MS- És fã de poesia? Onde é que a poesia mexe diretamente com as tuas letras, se é que mexe se quer?

OJ - Gosto de literatura em geral, e de alguma poesia em particular, sim, ainda que esteja longe de ser um estudioso. A poesia na componente lírica de Old Jerusalem entraria pela via da atenção ao efeito e ao peso “correto” das palavras, mas isso não quer dizer que pense nas letras das canções como poesia.

MS - Tens Poetas ou poemas favoritos?

OJ - Talvez o mais influente, quer a nível pessoal, quer para o que faço, seja o Raymond Carver. Mas há outros relevantes (Herberto Helder, Czeslaw Milosz, Al Berto, Miguel Torga, Fernando Pessoa…).

MS - Este disco é diferente não haja duvida nisso, há pianos subtis, dramatismo derivado dos violinos de Ana Pereira ou Ana Filipe Serrão ou o violoncelo de Ana Cláudia Serrão... Mas Filipe Melo vem criar uma nova linguística no teu som folk de discos anteriores, vem trazer mais liberdade ás melodias... Que importância teve Filipe Melo na criação destas músicas? Como surgiu a possibilidade desta colaboração com tão conceituado artista de Jazz?

OJ - Filipe entrou nestas canções na fase de gravação e de arranjos, pelo que em termos de composição não houve colaboração. No entanto, a versão final das canções foi muito determinada pelo rumo que ele acabou por imprimir aos temas.
A ideia de colaborarmos surgiu logo no momento em que nos conhecemos, nos bastidores de um concerto de homenagem ao Bernardo Sassetti em que ambos participámos.

MS - As tuas letras no meu ponto de vista falam de forma tão encriptada... É muito dificil perceber onde é que estou porque a cada linha mudo de sitio, como se estivesse numa máquina do tempo construida por ti: Qual é a verdadeira temática do disco? Este não parece de todo um disco conceptual, como é que estas musicas todas juntas formam "A Rose is a Rose is a Rose"? Amor, morte, tempo... Ou achas que a cada faixa esse tema vai-se moldando?

OJ - O disco não é conceptual no sentido de haver uma linha condutora deliberada entre os vários temas. No entanto, há efetivamente recorrência de vários temas e mesmo ideias e situações concretas nas várias canções, pelo que têm uma certa coesão estética e lírica. 

MS - A linhagem que escolheste também foi intencional ou ela também muito aleatória?

OJ - Tudo tem tanto de intencional como de aleatório, e agrada-me ir trabalhando sempre no equilíbrio entre essas duas vertentes.

MS - Que influências foram moldando a tua personalidade como músico? Seria fácil comparar-te a nomes como Simon and Garfunkel ou Bob Dylan (numa fase especifica), mas gostava de saber o que andaste a ouvir em miúdo, no fim o verdadeiro motivo que te levou a fazer musica hoje e ao longo destes anos todos.

OJ - Bob Dylan e Simon & Garfunkel estão claramente entre as minhas influências musicais mais diretas. Mas comecei a interessar-me por música com o Michael Jackson e a partir daí tive curiosidade por muitos géneros distintos – do Michael Jackson passei ao Prince, de aí talvez aos Depeche Mode, quando aprendi a tocar guitarra interessei-me por “heavy metal”, e assim por diante com muita e muito distinta música.

MS - Tu mesmo achas "A Rose is a Rose is a Rose" o teu finest job, ou vais-te suplantando de disco para disco sempre desconhecendo esse acontecimento?

OJ - No momento em que estou a trabalhar num disco não tenho nenhuma noção quanto a isso, mas neste momento considero efetivamente este álbum como o mais bem conseguido de todos os que fiz.

MS - Neste caso, sentes que este dá-te o reconhecimento que sempre mereceste ou esse reconhecimento e auto-apreciação já partiam de ti antes?

OJ - Não sei qual é o reconhecimento que mereço!  Com este disco sentia-me confiante relativamente ao trabalho que realizámos mesmo antes de ele ver a luz do dia, pelo que diria que neste caso concreto essa apreciação já lá estava.

MS - A critica pôs-te num pedestal depois deste ultima longa duração como um dos mais talentosos Singer/Songwriters da nossa geração, vives bem com rótulos desses? Não sentes qualquer tipo de pressão ou dever?

OJ - Se sentisse o peso desse rótulo no meu dia-a-dia provavelmente sentiria algum incómodo, mas não sinto que me seja atribuída essa dimensão, pelo que a única pressão que sinto é a de fazer o meu trabalho o melhor que posso a cada momento.

MS - A critica vê "A Rose is a Rose is a Rose" como um disco exímio. Porquê uma pausa tão grande do teu disco homónimo (2011) para este ultimo?

"A Rose is a Rose is a Rose" de Old Jerusalem

OJ - O interregno deveu-se essencialmente à gestão da agenda dos vários intervenientes no disco.

MS - Estiveste este tempo todo a produzir/gravar o disco? Quando é que começaste a trabalhar nas canções?

OJ - Se compactarmos o tempo de trabalho útil no álbum, ele não demorou muito mais a ser feito do que qualquer outros dos anteriores – estaremos a falar de pouco mais de 1, 2 meses. Houve portanto muito tempo de “pousio”. O trabalho ter-se-á iniciado já por volta de 2012, ou mesmo antes.

MS - Demoraste mais tempo com a intenção do disco parecer extensivamente trabalhado até à sua perfeita conclusão ou também foi coincidência o disco ter demorado 5 anos a ver a luz do dia?

OJ - Deveu-se ao que referi atrás, essencialmente: gestão de agenda pessoal e profissional de todos (também minha, claro). Tínhamos intenção de trabalhar os temas até à sua conclusão lógica, mas não propriamente de os levar a uma qualquer ideia de perfeição, longe disso.

MS - Parecendo que não já passaram 15 anos desde o teu disco de estreia, em retrospetiva consegues dizer onde é que a tua sonoridade, composição tem evoluído mais ao longo destes 15 anos?

OJ - No essencial da escrita, diria que houve muitos fatores que se mantiveram constantes, tendo mudado aquilo que em 15 anos necessariamente muda – a nossa vida, desde logo, e um incontornável processo de aprendizagem.

MS - Algum momento ou história mais marcante que ainda não tenhas partilhado?

OJ - Nada que me recorde como digno de nota ou de referência pública, não.

MS- Farias algo diferente?

OJ - Muita coisa, tanta que nem vale a pena mencionar! Mas são coisas pequenas, no essencial não há grandes “arrependimentos”.

MS - Sendo tu do Porto, sentes-te mais confortável atocar para o teu publico do norte ou a localização para ti é irrelevante, quantos mais concertos, mais oportunidades de apresentares o teu trabalho melhor?

OJ - É-me na maior parte dos casos um pouco indiferente, embora, claro, no Porto e arredores costumem aparecer mais amigos e conhecidos.

MS -Sentes que o publico tem reconhecido este teu ultimo esforço? Sentes esse amor de publico para publico?

OJ - Não tenho bem noção de quem é o público de Old Jerusalem em concreto, mas aquela parte desse público que me contacta em geral atribui valor ao trabalho de Old Jerusalem, pelo que sinto reconhecimento da sua parte, sim.

MS - Aos teus olhos como tem sido a receção das pessoas em relação a "Rose is a Rose is a Rose"? Achas que tem acompanhado a opinião da critica em relação ao disco?

OJ - A receção tem sido muito positiva, para já.

MS - Como é que esse feedback das pessoas tem chegado a ti de forma liquida, palpável?

OJ - Há contactos de pessoas a quem conheço pessoalmente, essa é uma via. Nos casos em que não é assim, o feedback chega de forma mais difusa, por redes sociais, em concertos, ou de tempos a tempos por abordagem pessoal.

MS - Voltando à minha primeira pergunta, tu mesmo te consideras um poeta? A compor letras consideras-te um escritor, um contador de histórias, um pessimista ou um otimista iludido... Que alter ego abraças enquanto compositor?

OJ - Não me considero um poeta, ou estritamente qualquer das outras opções. Quanto escrevo canções sinto-me isso mesmo, no fundo, um escritor de canções, nada mais nem nada menos.

MS - Espalha Factos nomeou o disco como um dos mais bonitos do ano. Eu perguntei que discos cresceste a ouvir, agora pergunto que discos portugueses do ano passado ou deste aconselhas? Existe alguma espécie de competição entre vocês (bandas portuguesas) ou isso são filmes? Vês algum tipo de vantagem em cantar em inglês? Já alguma vez foste criticado como artista por cantares em inglês sendo tu português?

OJ - Competição não creio que exista, pelo contrário, sinto até algum companheirismo. Mas posso de minha parte assumir que me sinto “picado” quando algum amigo meu faz um disco particularmente bom.  É uma coisa até muito saudável, a meu ver.
Recentemente, por exemplo, destacaria os discos de Minta & The Brook Trout e dos peixe:avião, que são ambos excelentes.
A questão do inglês é um assunto que a meu ver já deixou de importar, parece-me.

MS - Deste um concerto na Galeria Zé dos Bois (Lisboa, 2 de Abril), sexta-feira passada estiveste no Maus Hábitos no Porto e dia 16 em Gil Vicente. Quando é que vamos ver-te aqui no Montijo? (Risos sérios)

OJ - Não sei, é uma questão a ver com a PAD, que agência Old Jerusalem. Podem sempre contactar a Sara Borges (sara@pad-online.com) para esse efeito! ;-)



MS - O disco fica marcado essencialmente pelas muitas colaborações... Isso surge de uma necessidade ou por obrigação?

OJ - Surge da vontade de explorar coisas novas e frescas, simplesmente, não há propriamente necessidades ou obrigações.

MS - Quais as dificuldades sentidas num mundo cada vez mais dominado pela ofuscação do que é natural e pelos efeitos, em fazer música completamente audível (com vocais inalterados e guitarra acústica)?

OJ - A dificuldade não tem necessariamente que ver com o tipo de música, acho que é uma coisa mais transversal nos dias de hoje, em particular no meio musical, que é o de conseguir fazer-se ouvir por entre a miríade de coisas que acontecem a todo o momento.

MS - Iniciativas como o Montijo Sound, que importância tem para a musica independente (ou não) feita em Portugal? Que empurrão poderá blogs como o nosso dar a bandas que precisam de exposição e de visibilidade numa cultura cada vez mais dominada por elitismos e musica para massas, que importância tem para quebrar uma mentalidade corrente, no que diz respeito a musica?

OJ - Os media mais disseminados ganharam uma relevância acrescida não só por estarem mais próximos de públicos específicos, mas principalmente por estarem a ocupar um espaço que os media tradicionais mais massificados não estão a ser capazes de trabalhar e que vão progressivamente abandonando. Nessa linha, é uma muito saudável resposta/alternativa aos tais problemas que descrever na pergunta.


  Prezados agradecimentos:
Francisco Silva (Old Jerusalem) 
Raquel Lains
 MontijoSound 2016

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