Estava numa aula. Era de Fisica e Quimica já lá vão uns anos... Liguei para a Raquel à procura de uma oportunidade de entrevistar bandas para um projeto novo que tinha em mente... Um blog de música na verdade. Este! Era uma voz doce e gentil que disse para falarmos por e-mail. Entre um e outro mail tornámo-nos amigos por correspondência. Porquê o interesse. Estamos a falar da fundadora da Lets Start a Fire, uma das maiores agências de bandas do pais. Tinhamos de por a conversa em dia, perceber um bocado da história dela e de como tornou-se tão relevante na cena alternativa portuguesa...
Montijo Sound- Bem, para começar, como e que tem corrido este arranque de novo ano?
Raquel Lains- O
arranque deste novo ano está a correr bem, muito trabalho e muito boas bandas
na minha mão!
MS- Muitas bandas?
RL- Sim,
muitas e muito boas!
MS- Como é que surgiu o conceito da Let’s Start A Fire?
RL- Em adolescente, eu
era daquelas miúdas que saía da escola e ia ouvir música para a minha lojinha
de música favorita, escolher discos e ouvir sugestões de discos pela dona da
loja. Passei horas e horas de phones numa lojinha em Leiria, a minha cidade
natal. A música sempre foi uma das minhas paixões.
Comecei a trabalhar
na música desde Janeiro de 2002, foi o meu primeiro emprego! Tirei o curso de
Comunicação Cultural na Universidade Católica e finalizei-o em 2001. Dois ou
três meses depois, quando desfolhava o Blitz, encontrei um anúncio duma
editora/ distribuidora independente que precisava de alguém! Telefonei
imediatamente e senti que essa era a minha oportunidade de trabalhar numa das
coisas que mais gostava, a música! E consegui o emprego! Encontrei o meu
primeiro emprego na Sabotage e na Zounds em Janeiro de 2002.
O catálogo e
artistas que trabalhavam tinha tudo a ver comigo e sentia um orgulho imenso em
lá estar! Trabalhei artistas como: Stealing Orchestra, Loosers, Devendra
Banhart, GY!BE, A Silver Mt. Zion, Fantomas, Melvins, Fugazi, Mars Volta, Nina
Nastasia; editoras como a Soul Jazz, Kranky, Constellation, Ipecac, Anticon,
Young God, Dischord, Touch And Go. Ainda hoje vibro com os artistas da
Sabotage! Estive lá dois anos até sentir necessidade de aprender e crescer
mais. Optei por sair de lá e procurar novas perspectivas do mundo da música.
Uma semana depois
de sair da Sabotage estava a ser contactada pelo departamento promocional da
Universal Music porque precisava duma pessoa para substituir uma promotora de
rádio que estava de baixa e alguém me tinha recomendado. Esta substituição
seria uma temporária, à volta de 15 dias. Eu achei que seria muito interessante
a nível profissional observar e ter contacto directo com uma major visto vir
duma independente. O mais engraçado é que os 15 dias transformaram-se em 2 anos
de trabalho na Universal Music enquanto promotora de rádio. Aprendi muito na
Universal. Sentia-me muito privilegiada por poder ter a experiência de ter
trabalhado numa editora/ distribuidora independente (Sabotage/ Zounds) e de a
poder completar com a minha passagem por uma das majors (Universal Music). Era
uma perspectiva totalmente nova, um mundo novo que se estava a abrir completamente
e a ensinar-me coisas sobre as quais nunca tinha ouvido falar.
Na Universal Music,
deu-me muito gozo trabalhar determinados artistas como: Pluto, Blasted
Mechanism, Cristina Branco, Caetano Veloso, DJ Shadow, Sonic Youth, Kaiser
Chiefs, Beck, Feist, Eeels, Ian Brown, Yeah Yeah Yeahs, PJ Harvey, Donavon
Frankenreiter, Queens Of The Stone Age, etc. São demais para conseguir
mencionar todos.
Mas chegou a um
ponto que senti que não iria aprender mais e que estava na hora de sair... mais
uma vez! E já há um tempo que sentia que o que queria mesmo era decidir quais
os artistas que promovia, promover os meus próprios artistas, os discos e
artistas que gostava de ouvir, com os quais me identificava. E isso poderia ser
uma aposta a nível profissional! E foi isso que fiz! Saí da Universal com o
objectivo de apostar na promoção discográfica enquanto freelancer. E é isso que
sou hoje, uma promotora discográfica que trabalha o que quer e que gosta!
MS- Foi difícil no início, ou houve feedback imediato por parte dos media e
dos artistas?
RL- No
início foi um pouco difícil porque a maior parte das bandas que me contactavam,
eu recusava. E isso implica que a minha agenda no início não tenha estivesse
muito preenchida mas era um risco e um caminho que eu queria seguir para chegar
onde estou hoje. Não foi (nem é) muito fácil, muitas vezes, explicar às bandas
que apenas faz sentido para mim trabalhar bandas que realmente gosto e que isso
não tem a ver com a qualidade da banda, apenas tem a ver com o meu gosto
pessoal. Mas só isso faz sentido com a minha forma de trabalhar na Let’s Start
A Fire, o meu projecto pessoal. Seguir este caminho faz com que a maior parte
das bandas já saibam isso e que valorizem a minha sinceridade e não a levem a
mal e que os próprios jornalistas saibam o tipo de bandas que poderão esperar
do meu lado. Foi difícil mas sinto que foi o caminho certo o que segui e hoje
estou exactamente onde quero estar. E isso faz-me muito feliz.
MS- São os artistas que vêm ter contigo ou és tu que vais ter com eles?
RL- São quase sempre as bandas que me procuram! Apenas quando
iniciei a Let’s Start A Fire, decidi contactar algumas bandas que gostava muito
de trabalhar a apresentar-me! Agora, são sempre as bandas que me contactam! Mas
não coloco de parte a possibilidade de ser eu a propor-me a bandas que
realmente adoro e me deixam deslumbrada, como foi o caso dos Cave Story, por
exemplo. Também tentei a minha sorte com a Banda do Mar mas já tinham a
promoção assegurada… e gosto muito dos Sensible Soccers, apesar de nunca me ter
auto-proposto…
MS- Hoje em dia achas que um artista ter uma manager é um mero capricho ou
achas uma necessidade indispensável?
RL- Um
manager pode ser um elemento dispensável ou indispensável para uma banda,
consoante o momento em que se encontra e os objectivos que tem para o seu
percurso.
Por
um lado, pode ser cada vez mais essencial para uma banda ter
um manager a tomar
conta da sua carreira e encontrar formas da banda subsistir. A indústria
discográfica está a viver grandes transformações e os orçamentos que antes
estavam disponíveis para a edição de novos discos, novas bandas, cada vez estão
mais curtos (se não inexistentes). E isso implica que cada vez mais o papel do
management é essencial para conseguir encontrar uma editora que tenha interesse
em editar o disco e apostar
na música da banda ou encontrar um bom patrocinador ou uma marca que queira
apostar na música da banda para uma campanha publicitária. Cada vez mais, as
portas estão fechadas e o conseguir furar pode fazer toda a diferença para uma
banda vingar ou não no mundo da música.
Por outro lado, com
a crise financeira das editoras e o fechar de portas para as edições nacionais,
as bandas têm decidido muitas vezes avançar sem qualquer editora por trás. As
novas tecnologias muito avançadas têm facilitado a edição de disco em nome
próprio, as tão conhecidas edições de autor, e isso faz com que as bandas sejam
cada vez mais auto-suficientes e consigam elas próprias executar algumas das
funções/ decisões antes efectuadas por um manager. As bandas querem ter mão e uma
palavra a dizer em tudo o que se passa com a sua música. Actualmente, há uma
maior procura de agenciamento em substituição da procura do management, no caso
das edições de autor. Tudo o que está relacionado com a banda e seus discos é
definido pela própria banda e existe uma crescente procura de alguém que apenas
se encarregue do agendamento de espectáculos ao vivo para apresentação do
disco, da sua música.
MS- Estás mais focada em divulgar novos artistas portugueses, ou mesmo um
artista já instalado serve?
RL- Não
faço essa diferenciação. Estou focada em divulgar bandas que gosto!
MS- E artistas internacionais relevantes?
RL- Podem
ser relevantes ou em início de carreira, desde que goste da música!
MS- Já houve algum caso em que a banda com quem trabalhaste, graças ao teu
trabalho tenha tido um enorme sucesso?
RL- Sim!
Há bandas que acabam por cativar mais ou menos os media e quando a exposição
mediática é grande, conseguem dar um passo em frente de forma mais rápida que
outras bandas que não conseguem tanta divulgação. Assim de repente, estou a
lembrar-me de You Can’t Win, Charlie Brown, Bruno Pernadas, Sequin, Capitão
Fausto, Manuel Fúria, Minta & The Brook Trout, Alex D’Alva Teixeira, Los
Waves, Micro Audio Waves, Rodrigo Amado…
MS- Sabemos que és de Leiria. O que que se passa por lá? Existe alguma cena
musical ou aquilo é culturalmente fraco?
RL- Leiria
foi uma cidade pobre a nível cultural quando eu cresci mas, actualmente, tem
muitíssimo a acontecer. A cidade está cheia de
pessoas com iniciativa, com vontade e talento para fazer as coisas acontecer!
Há o Fade In, o a9, a Omnichord Records, a Rastilho…
MS- Sempre pensaste fazer isto da tua vida ou tinhas outros sonhos quando
eras miúda? Quais?
RL- Nunca
imaginei trabalhar no meio da música. Não me lembro muito de ter grandes sonhos
profissionais (mas de certeza que os tinha…), apenas tenho a ideia de que
gostava de ser veterinária.
MS- Já aconteceu também alguma banda que representavas fracassar ou ser
menos visível?
RL- Não
me lembro de sentir em nenhum momento que uma banda fracassou. Apesar de ter
sentido nalguns casos que poderíamos ter obtido muito melhores resultados se
tivéssemos tido mais tempo e melhores ferramentas promocionais.
MS- Sabemos que gostas de trabalhar com bandas que gostas e que te
identificas... se uma banda muito má (ou o david carreira kkk) te oferecesse
milhares de euros para tu o representares ou os representares, trabalhavas com
eles ou não te vendias e ficavas com a tua dignidade?
RL- Isso
já aconteceu! Já me convidaram para trabalhar com um artista com o qual não me
identificava, disseram-me que o dinheiro não era uma questão pois iria ter um
salário mensal de alguns milhares de euros e, mesmo assim, isso não fez sentido
para mim. Isso seria deixar tudo pelo qual tinha lutado até esse momento. Sou
muito fiel ao meu sonho e não me imagino a ter de desistir dele.
MS- Já aconteceu apegares-te tanto a uma banda que mesmo que no início a
divulgação e o teu trabalho não chegassem para que tivessem sucesso, continuasses
a lutar extensivamente por eles?
RL- Eu
luto sempre até ao máximo possível pelas minhas bandas, estando mais ou menos
apegada às bandas que trabalho. Todas elas são especiais para mim e me apego a
elas e isso faz com que apenas desista quando os jornalistas me mostram que não
a irão divulgar (por diferentes razões).
O que que andas a ouvir neste momento? Assim só por curiosidade...
RL- Belle
and Sebastian, Soko, Father John Misty, ouço muita coisa mas nunca é
suficiente…
MS- Nunca pensaste sair de Portugal e com a tua educação, tentares ir para
os Estados Unidos ou Grã Bretanha?
RL- Nunca,
sou incapaz de me imaginar a sair de Portugal. Adoro demais o país (e Lisboa) para
me imaginar a ir embora.
MS- Manda cumprimentos para montijo sound ;)
RL- Para o MontijoSound e para ti Luis és um rapaz porreiro e a tua paixão pela música há de levar-te onde queres chegar! Beijinhos muito grandes.
Raquel muito obrigado a serio por seres a pessoa que és e por nos
ajudares tanto. Nós saludamos-te, admiramos-te e desejamos as maiores felicidades do mundo!